Hoje entrei em uma das lanchonetes da Augusta para tomar uma média – que apenas recentemente descobri ser diferente de um pingado – e presenciei uma triste síntese de percepções e identidades. Eram 6h45 (esse cara não dorme?) e havia uma discussão bem acalorada entre os três atendentes do local e uma muito bonita jovem negra. Vou tentar reproduzir a situação, embora obviamente algumas falas não vão corresponder exatamente ao que foi proferido, mas com mantêm seu significados.
“Eu quero ser bem atendida! Eu tô pagando, quero um bom atendimento”, reclamava a jovem. Todos os atendentes falavam ao mesmo tempo, sendo em geral defensivos. “A gente não cancelou o pedido? Tá feito.”, disse um deles. “Mas ela precisava me olhar daquela forma, vocês estavam errados!”, respondeu a cliente, se referindo a uma jovem atendente assustada. Ela continuou: “Não vou me esforçar para isso, nem trazer alguém para cá, mas se eu voltar aqui, vou querer um bom atendimento, porque estarei pagando!”, concluiu, partindo para a rua acinzentada, onde uma garoa começava a cair.
Quando ela saiu, minha espinha gelou com medo de ouvir algum comentário racista. No entanto, o que surgiu foi uma série sociológica. Um atendente falou, “Queria meu nome, nem meu pai sabe meu nome!”. O terceiro, que parecia ser o gerente, disse outra frase interessante: “Essa aí quer subir. Ela quis arranjar confusão para ver se a gente soltava alguma coisa racista. Ela quer é subir fácil”. Da cozinha, saiu um grito: “Processo? Nem bandido é processado, como é que a gente vai ser processado?”. O relógio da lanchonete marcava 6h46.
Cada um tira sua conclusão, mas eu vejo uma jovem estressada que resolveu descarregar num lugar cujo atendimento de fato nunca foi o forte. O interessante foi a identidade que ela escolheu para se impor, para ser respeitada: a de consumidor. Hoje, parece que escolhemos expressar nossa agressividade sob a guarda dos “direitos do consumidor”, deixando de lado a opção de exigir respeito por ser, digamos, um cidadão ou ainda ser humano. Todas as relações parecem ser comerciais.
Os funcionários? Bem, alguns podem criticá-los, afinal, “o cliente tem sempre razão”, mesmo quando isso às vezes inclui humilhar o trabalhador. Prefiro apenas vê-los com as informações que eles passaram. Um passou, de forma bem desviada, a sensação de desamparo que sentiu na situação, uma sensação bem parecida da de ser criado por uma mãe solteira ou num lar abandonado. O gerente reagiu como um legalista – sigo a lei, então não enche – e expressou um pouco da perspectiva com que encara o mundo – talvez ele entenda que todo mundo queira passar a perna no outro. O cozinheiro passou a sensação de impunidade da sociedade, algo que gera tanto um sentimento de impotência, quanto uma liberdade viciosa. A menina que atende, aparentemente, apenas deixou os homens falarem.
Identidades, perspectivas, preconceitos, vulnerabilidades, forças. Em um minuto.