quinta-feira, maio 14, 2009

Microcosmo de identidades


Hoje entrei em uma das lanchonetes da Augusta para tomar uma média – que apenas recentemente descobri ser diferente de um pingado – e presenciei uma triste síntese de percepções e identidades. Eram 6h45 (esse cara não dorme?) e havia uma discussão bem acalorada entre os três atendentes do local e uma muito bonita jovem negra. Vou tentar reproduzir a situação, embora obviamente algumas falas não vão corresponder exatamente ao que foi proferido, mas com mantêm seu significados.

“Eu quero ser bem atendida! Eu tô pagando, quero um bom atendimento”, reclamava a jovem. Todos os atendentes falavam ao mesmo tempo, sendo em geral defensivos. “A gente não cancelou o pedido? Tá feito.”, disse um deles. “Mas ela precisava me olhar daquela forma, vocês estavam errados!”, respondeu a cliente, se referindo a uma jovem atendente assustada. Ela continuou: “Não vou me esforçar para isso, nem trazer alguém para cá, mas se eu voltar aqui, vou querer um bom atendimento, porque estarei pagando!”, concluiu, partindo para a rua acinzentada, onde uma garoa começava a cair.

Quando ela saiu, minha espinha gelou com medo de ouvir algum comentário racista. No entanto, o que surgiu foi uma série sociológica. Um atendente falou, “Queria meu nome, nem meu pai sabe meu nome!”. O terceiro, que parecia ser o gerente, disse outra frase interessante: “Essa aí quer subir. Ela quis arranjar confusão para ver se a gente soltava alguma coisa racista. Ela quer é subir fácil”. Da cozinha, saiu um grito: “Processo? Nem bandido é processado, como é que a gente vai ser processado?”. O relógio da lanchonete marcava 6h46.

Cada um tira sua conclusão, mas eu vejo uma jovem estressada que resolveu descarregar num lugar cujo atendimento de fato nunca foi o forte. O interessante foi a identidade que ela escolheu para se impor, para ser respeitada: a de consumidor. Hoje, parece que escolhemos expressar nossa agressividade sob a guarda dos “direitos do consumidor”, deixando de lado a opção de exigir respeito por ser, digamos, um cidadão ou ainda ser humano. Todas as relações parecem ser comerciais.

Os funcionários? Bem, alguns podem criticá-los, afinal, “o cliente tem sempre razão”, mesmo quando isso às vezes inclui humilhar o trabalhador. Prefiro apenas vê-los com as informações que eles passaram. Um passou, de forma bem desviada, a sensação de desamparo que sentiu na situação, uma sensação bem parecida da de ser criado por uma mãe solteira ou num lar abandonado. O gerente reagiu como um legalista – sigo a lei, então não enche – e expressou um pouco da perspectiva com que encara o mundo – talvez ele entenda que todo mundo queira passar a perna no outro. O cozinheiro passou a sensação de impunidade da sociedade, algo que gera tanto um sentimento de impotência, quanto uma liberdade viciosa. A menina que atende, aparentemente, apenas deixou os homens falarem.

Identidades, perspectivas, preconceitos, vulnerabilidades, forças. Em um minuto.

segunda-feira, maio 11, 2009

Uma igreja no Baixo-Augusta?



Estava andando pela Augusta em um domingo recente quando me deparei com a imagem acima, na frente do Hotel Panamericano. Achei o design interessante e, absolutamente desocupado, entrei para ver do que se tratava.

Fui recebido pelo Guilherme Menga, cara gente fina que me explicou do que se tratava: era um culto. Ele me convidou a assistir. Putz, a última vez que estive em alguma coisa religiosa fora em 2002, para ver o Bozo. É, então, um dos Bozo virou pastor e inspira as pessoas com seu depoimento de como saiu da cocaína (eu estava lá para gritar cinco e sessenta). Mas eu disse ao Menga que apareceria, exatamente às cinco e sessenta…

Descobriria mais tarde que se trata da Vineyard, uma associação de igrejas surgida dos estudos bíblicos do Movimento de Jesus, uns hippies americanos dos anos 1970 que se converteram ao cristianismo. John Wimber é considerado o fundador da organização em 1982, da qual até Bob Dylan (o meu equivalente a ídolo religioso, creio) participou na sua fase gospel. No Brasil, eles foram os responsáveis pelo stand Sexxxchurch do Erótika Fair, que levava uma mensagem do estilo “Jesus também ama os atores pornôs”.

Entrei no espaço de convenções no horário combinado ao som de um “With or Without You” remixado, com gente de cabelo moicano fazendo testes de som com um violão, uma bateria e Macs. Aos poucos, pessoas com cabelo colorido ou cabelo demais e uma galera de alargador e tatuagem começaram a chegar com velhinhos e crianças, se acomodando nas cadeiras ou nas almofadas roxas e pretas espalhadas pelo chão.

E aí começou… o show. Gilmar ao violão e Zé na bateria começaram a tocar músicas cujas letras apareciam em um telão, todas do selo Vineyard Music, e todas de louvor (“Grande Deus”, “Rei Eterno”, “Quão Lindo És”, “Mais que um Amigo” e “Fome”). Echarpes de estilo palestina balançavam e braços cobertos por mangas quadriculadas subiam em direção aos lustres de argolas transparentes do hotel. Zion, de dois anos, saltitava pelo salão com liberdade invejável. Entre uma música e outra, manifestações espontâneas de louvor soavam.

Depois, aconteceu o “período sussa”, anunciado por Jota (pai do Zion) com um “Querido Deus, você é o cara que manda aqui”. Nessa parte, basicamente, as pessoas conversam e se cumprimentam. E a seguir, teve a pregação, que foi realizada pelo João, um pastor carioca visitante, ao invés do Júnior, o pastor do culto da Augusta. Caixas de feira empilhadas com um coração pintado serviam de balcão para João, que falou de aceitação de si e dos outros a partir de uma passagem de Coríntios. Super adequado, creio, para mais uma tribo da Augusta.

Para ler a entrevista por e-mail que fiz com o Guilherme Menga, representando a Vineyard Capital, e mais informações sobre o culto, continue lendo este post.


Vineyard Capital
Hotel Pan Americano, Rua Augusta, 768. Domingos, às 18h.
http://www.vineyardsaopaulo.com


sexta-feira, maio 08, 2009

Augusta - versão não-autorizada




Existe a teoria de que o nome da Rua Augusta teve origem em uma tal Maria Augusta que tinha um sítio por estas cercanias. O Dicionário de Ruas alerta que o nome pode ter sido apenas a aplicação de um título de nobreza para um caminho que levava à “Rua da Real Grandeza”, futura Avenida Paulista. Entretanto, para Mariângela Bittencourt, não é tão importante o que realmente aconteceu, mas sim as possibilidades criativas de todo esse mistério.

A quadrinista de 25 anos criou sua própria versão de quem foi Maria Augusta em seu segundo zine, “Augusta – versão não autorizada”, uma biografia fictícia dessa personagem a partir da perspectiva de uma de suas vítimas, Dr. Arnaldo. Como outros personagens com nome de rua, Dr. Arnaldo ficou completamente envolvido nesse “vício perigoso, delirante, perturbador” encarnado em uma prostituta que “deitava-se com quem lhe agradava”, um misto de irmã malvada da Geni e Hilda Furacão de tempos aristocráticos.

Tomei conhecimento dessa HQ pela Ana da Ocas”, praticamente uma instituição da Augusta, e conversei com Mariângela em uma quinta-feira recente. O caos deu o tom da “entrevista” – saí apressado do trabalho e despreparado para o encontro etílico no Charm da Augusta, fomos interrompidos por amigos, desconhecidos de conhecidos, pedintes e embriagados. O espírito da Maria Augusta de Mariângela parecia estar pessoalmente interferindo. E o que é esse espírito, perguntei para a frequentadora da região há cinco anos. Drogas, prostituição, euforia e frustração, respondeu ela. De fato, o fanzine não é uma leitura infanto-juvenil (ao contrário de seu trabalho anterior “Cirilo Rasga Beiço”).

E, afinal, quem é Augusta? Bem, a opinião de Mariângela de o que representa essa pergunta pode ser encontrada na loja HQMix (Praça Roosevelt) e com a própria autora, caso a encontre vendendo o material no MASP. Lá, formas por vezes explícitas, por vezes sutis, criam um verbete que dicionário algum pode definir.

Blog da Mariângela: http://udgrud.blogspot.com/