quinta-feira, outubro 01, 2009

Me sentindo autoritário em um dia de chuva

Criei algumas regras simples.


1. Guarda-chuvas.

Durante precipitações pluviométricas, você vai sair com dois guarda-chuvas. O guarda-chuva de verdade, que você vai carregar em tal específico estado de umidade relativa do ar, e o guarda-chuva de emergência, que simplesmente já estará na sua mochila. Explico.

a) Guarda-chuva de verdade
Um guarda-chuva verdadeiro fechado costuma ser do tamanho de uma bengala e é extremamente inconveniente de se carregar. Aberto, tem um diâmetro que extrapola em muito os limites de sua aura Kirlian, e proporciona a possibilidade de você coçar a cabeça sem molhar o cotovelo em estados verticais de precipitação. Ele costuma ser firme, resistente e às vezes pode abrigar mais de uma pessoa.

b) Guarda-chuva de emergência
O guarda-chuva de emergência é um aparelho de forte carga psicológica e alguma função prática. Ele é pequeno o bastante para ser colocado dentro da mochila e ser esquecido até preponderar a inconsistência humana ou a irregularidade meteorológica. Praticamente uma introspecção, ele mantém apenas menos úmidas algumas partes de seu corpo, particularmente aquelas associadas ao orgulho: a partir do peito para cima. Sua composição vagabunda o faz uma ameaça natural, já que sua fraca resistência o relega com pouco uso a um aterro sanitário.

2. Uso do guarda-chuva.

A otimização da cobertura circular de um guarda-chuva ocorre quando o(s) usuário(s) se posiciona(m) o mais ao centro possível. Você pode ficar tentado a manter o caminho à sua frente e a ponta do seu calçado secos, mas existe o grande revés de a realidade não se limitar a seu leque de visão. Sim, suas costas e mochila existem e desempenham, quando secas, um papel relevante no seu organismo e em suas atividades.

3. Vendedores de guarda-chuva.

Apesar dessas significações fenomenológicas surgirem de geração espontânea (o contato do primeiro pingo de chuva com a calçada provoca uma reação imediata conhecida como vendedor de guarda-chuva), elas continuam sujeitas ao positivismo ortodoxo da Lei de Murphy. Você não terá dinheiro, eles não estarão no mesmo lugar que você. Eles servem, pois, apenas para garantir o suprimento dos guarda-chuvas mencionados na Regra 1. Ou seja, você vai comprar um novo guarda-chuva quando você tiver só um guarda-chuva.

4. Impermeabilidade.

a) Tênis
Coma uma refeição a menos para economizar o bastante para um tênis impermeável ou semi-impermeável. Vale a pena.

b) Mochila
Coma uma refeição a menos para economizar o bastante para uma mochila impermeável. Vale a pena.

c) Sacos plásticos
Reserve alguns para cobrir materiais que não podem ser molhados. Eles não são elegantes, eles são úteis.

d) Capas plásticas
São ridículas, mas pequenas e úteis.

5. Conforto.

Se conforme: você vai se molhar. O Cascão é uma ilusão. Mas existem coisas que podem assegurar um maior conforto:

a) Uma muda de roupa adicional
É isso mesmo.

b) Um par de meias adicional
Agora você está prestando atenção. Achei melhor separar para enfatizar sua importância.

quinta-feira, maio 14, 2009

Microcosmo de identidades


Hoje entrei em uma das lanchonetes da Augusta para tomar uma média – que apenas recentemente descobri ser diferente de um pingado – e presenciei uma triste síntese de percepções e identidades. Eram 6h45 (esse cara não dorme?) e havia uma discussão bem acalorada entre os três atendentes do local e uma muito bonita jovem negra. Vou tentar reproduzir a situação, embora obviamente algumas falas não vão corresponder exatamente ao que foi proferido, mas com mantêm seu significados.

“Eu quero ser bem atendida! Eu tô pagando, quero um bom atendimento”, reclamava a jovem. Todos os atendentes falavam ao mesmo tempo, sendo em geral defensivos. “A gente não cancelou o pedido? Tá feito.”, disse um deles. “Mas ela precisava me olhar daquela forma, vocês estavam errados!”, respondeu a cliente, se referindo a uma jovem atendente assustada. Ela continuou: “Não vou me esforçar para isso, nem trazer alguém para cá, mas se eu voltar aqui, vou querer um bom atendimento, porque estarei pagando!”, concluiu, partindo para a rua acinzentada, onde uma garoa começava a cair.

Quando ela saiu, minha espinha gelou com medo de ouvir algum comentário racista. No entanto, o que surgiu foi uma série sociológica. Um atendente falou, “Queria meu nome, nem meu pai sabe meu nome!”. O terceiro, que parecia ser o gerente, disse outra frase interessante: “Essa aí quer subir. Ela quis arranjar confusão para ver se a gente soltava alguma coisa racista. Ela quer é subir fácil”. Da cozinha, saiu um grito: “Processo? Nem bandido é processado, como é que a gente vai ser processado?”. O relógio da lanchonete marcava 6h46.

Cada um tira sua conclusão, mas eu vejo uma jovem estressada que resolveu descarregar num lugar cujo atendimento de fato nunca foi o forte. O interessante foi a identidade que ela escolheu para se impor, para ser respeitada: a de consumidor. Hoje, parece que escolhemos expressar nossa agressividade sob a guarda dos “direitos do consumidor”, deixando de lado a opção de exigir respeito por ser, digamos, um cidadão ou ainda ser humano. Todas as relações parecem ser comerciais.

Os funcionários? Bem, alguns podem criticá-los, afinal, “o cliente tem sempre razão”, mesmo quando isso às vezes inclui humilhar o trabalhador. Prefiro apenas vê-los com as informações que eles passaram. Um passou, de forma bem desviada, a sensação de desamparo que sentiu na situação, uma sensação bem parecida da de ser criado por uma mãe solteira ou num lar abandonado. O gerente reagiu como um legalista – sigo a lei, então não enche – e expressou um pouco da perspectiva com que encara o mundo – talvez ele entenda que todo mundo queira passar a perna no outro. O cozinheiro passou a sensação de impunidade da sociedade, algo que gera tanto um sentimento de impotência, quanto uma liberdade viciosa. A menina que atende, aparentemente, apenas deixou os homens falarem.

Identidades, perspectivas, preconceitos, vulnerabilidades, forças. Em um minuto.

segunda-feira, maio 11, 2009

Uma igreja no Baixo-Augusta?



Estava andando pela Augusta em um domingo recente quando me deparei com a imagem acima, na frente do Hotel Panamericano. Achei o design interessante e, absolutamente desocupado, entrei para ver do que se tratava.

Fui recebido pelo Guilherme Menga, cara gente fina que me explicou do que se tratava: era um culto. Ele me convidou a assistir. Putz, a última vez que estive em alguma coisa religiosa fora em 2002, para ver o Bozo. É, então, um dos Bozo virou pastor e inspira as pessoas com seu depoimento de como saiu da cocaína (eu estava lá para gritar cinco e sessenta). Mas eu disse ao Menga que apareceria, exatamente às cinco e sessenta…

Descobriria mais tarde que se trata da Vineyard, uma associação de igrejas surgida dos estudos bíblicos do Movimento de Jesus, uns hippies americanos dos anos 1970 que se converteram ao cristianismo. John Wimber é considerado o fundador da organização em 1982, da qual até Bob Dylan (o meu equivalente a ídolo religioso, creio) participou na sua fase gospel. No Brasil, eles foram os responsáveis pelo stand Sexxxchurch do Erótika Fair, que levava uma mensagem do estilo “Jesus também ama os atores pornôs”.

Entrei no espaço de convenções no horário combinado ao som de um “With or Without You” remixado, com gente de cabelo moicano fazendo testes de som com um violão, uma bateria e Macs. Aos poucos, pessoas com cabelo colorido ou cabelo demais e uma galera de alargador e tatuagem começaram a chegar com velhinhos e crianças, se acomodando nas cadeiras ou nas almofadas roxas e pretas espalhadas pelo chão.

E aí começou… o show. Gilmar ao violão e Zé na bateria começaram a tocar músicas cujas letras apareciam em um telão, todas do selo Vineyard Music, e todas de louvor (“Grande Deus”, “Rei Eterno”, “Quão Lindo És”, “Mais que um Amigo” e “Fome”). Echarpes de estilo palestina balançavam e braços cobertos por mangas quadriculadas subiam em direção aos lustres de argolas transparentes do hotel. Zion, de dois anos, saltitava pelo salão com liberdade invejável. Entre uma música e outra, manifestações espontâneas de louvor soavam.

Depois, aconteceu o “período sussa”, anunciado por Jota (pai do Zion) com um “Querido Deus, você é o cara que manda aqui”. Nessa parte, basicamente, as pessoas conversam e se cumprimentam. E a seguir, teve a pregação, que foi realizada pelo João, um pastor carioca visitante, ao invés do Júnior, o pastor do culto da Augusta. Caixas de feira empilhadas com um coração pintado serviam de balcão para João, que falou de aceitação de si e dos outros a partir de uma passagem de Coríntios. Super adequado, creio, para mais uma tribo da Augusta.

Para ler a entrevista por e-mail que fiz com o Guilherme Menga, representando a Vineyard Capital, e mais informações sobre o culto, continue lendo este post.


Vineyard Capital
Hotel Pan Americano, Rua Augusta, 768. Domingos, às 18h.
http://www.vineyardsaopaulo.com


sexta-feira, maio 08, 2009

Augusta - versão não-autorizada




Existe a teoria de que o nome da Rua Augusta teve origem em uma tal Maria Augusta que tinha um sítio por estas cercanias. O Dicionário de Ruas alerta que o nome pode ter sido apenas a aplicação de um título de nobreza para um caminho que levava à “Rua da Real Grandeza”, futura Avenida Paulista. Entretanto, para Mariângela Bittencourt, não é tão importante o que realmente aconteceu, mas sim as possibilidades criativas de todo esse mistério.

A quadrinista de 25 anos criou sua própria versão de quem foi Maria Augusta em seu segundo zine, “Augusta – versão não autorizada”, uma biografia fictícia dessa personagem a partir da perspectiva de uma de suas vítimas, Dr. Arnaldo. Como outros personagens com nome de rua, Dr. Arnaldo ficou completamente envolvido nesse “vício perigoso, delirante, perturbador” encarnado em uma prostituta que “deitava-se com quem lhe agradava”, um misto de irmã malvada da Geni e Hilda Furacão de tempos aristocráticos.

Tomei conhecimento dessa HQ pela Ana da Ocas”, praticamente uma instituição da Augusta, e conversei com Mariângela em uma quinta-feira recente. O caos deu o tom da “entrevista” – saí apressado do trabalho e despreparado para o encontro etílico no Charm da Augusta, fomos interrompidos por amigos, desconhecidos de conhecidos, pedintes e embriagados. O espírito da Maria Augusta de Mariângela parecia estar pessoalmente interferindo. E o que é esse espírito, perguntei para a frequentadora da região há cinco anos. Drogas, prostituição, euforia e frustração, respondeu ela. De fato, o fanzine não é uma leitura infanto-juvenil (ao contrário de seu trabalho anterior “Cirilo Rasga Beiço”).

E, afinal, quem é Augusta? Bem, a opinião de Mariângela de o que representa essa pergunta pode ser encontrada na loja HQMix (Praça Roosevelt) e com a própria autora, caso a encontre vendendo o material no MASP. Lá, formas por vezes explícitas, por vezes sutis, criam um verbete que dicionário algum pode definir.

Blog da Mariângela: http://udgrud.blogspot.com/

segunda-feira, abril 27, 2009

Os Augustos


 O fato é que você precisa saber da piscina
subir e descer a Augusta
rodopiando entre as putas
sem noção de gravidade
se entregar para a cidade
vomitar pelo asfalto a tua liberdade
[Galharufa (O Dia em que Francisco Cuoco Transcendeu a Lei da Gravidade)]

Letras pitorescas e urbanas são a prioridade de Eristhal (voz, violão, cavaco), Felipe Abdalla (percussão) e Chico (percussão) em seu projeto Os Augustos. O trio cuja história se mescla à ascensão do Bar do Netão, um dos mais vibrantes e descontraídos do Baixo-Augusta, marca presença no espaço tocando samba rock, soul, funk e Jovem Guarda. Há sete anos, Eristhal, 25, já frequentava a Augusta às 2h da madruga após tocar na Barra Funda. O que atraía o paulista de Pirajus era em parte o medo, preferindo beber sozinho em um local com bastante movimentação.

Mas outra parte importante da atração era o que chamou de “cheiro de sexo”. Chico, 24, frequenta a região desde 2006, quando chegou de Piracicaba, e veio conhecer a Augusta por ter um olfato muito semelhante ao de Eristhal. “Adoro as propostas de cinco reais, três cervejas, caipirinha e…”, disse Chico na quarta-feira (22), quando conversamos no Bar do Netão. A ideia começou quando Eristhal, “de saco cheio de tocar sozinho”, chamou seu antigo parceiro de Barra Funda, Felipe, 25, para um novo projeto.

Assíduos do bar, já conheciam o DJ residente das quintas, o Chico – também um “músico orgânico” – para formarem o… Pra Quarteto Falta Um. O nome não durou. “Pô, a gente se encontra na Augusta, bebe na Augusta, frequenta a Augusta”, explicou Eristhal como o nome ficou óbvio.


Ando bebendo com o diabo
ando fumando mil baseados
ando cheirando… ando cheirando…
ando cheirando… ando cheirando…
 cachorro molhado!
Mais um vagabundo perdido no mundo
rodando na rua… Augusta from Hell!
[Augusta From Hell]


A regra do grupo é experimentar e difundir sua música em um show-ensaio, que acontecia às quartas no Bar do Netão, até o PSIU dar as caras.

“Tá faltando o PSIU deixar a gente em paz”, reclama Eristhal numa Augusta que mudou bastante da época em que o Bar do Netão era uma jukebox e uma mesa de sinuca. Mais baladas, mais opções, mais segurança resultaram em uma imagem menos marginalizada da região e a atração de uma “galera mais freak, mais hype”.

Mas a principal mudança que Os Augustos notaram está mesmo relacionada ao olfato: as mulheres. Tudo parece estar cheirando bem.

Contato para shows: Eristhal (8448-8332) – osaugustos@hotmail.com

Colaboraram Giulia (bê) e Carol.

segunda-feira, abril 13, 2009

Vegans e vegetarianos



Era uma vez Rodolfo. Certo dia, ele foi comprar uma galinha em uma granja e levou um choque com as condições do lugar e com o abate. Decidiu que iria parar de comer carne. Então, consultou nutricionistas, fez pesquisas em sites e não resistiu à especialidade de porco de sua mãe. Foi quando percebeu que não era uma decisão de contos de fadas: teria que abrir mão de muita coisa.

Na época, ele não conhecia os vegans, com quem mais tarde se identificou. Agora, vegetariano e trabalhando numa manhã recente na Padaria 100% Vegan, ele me explicou algumas das filosofias que compartilha com o movimento. Para ele, a questão está no processo de criação e abate dos animais, algo desumano. No caso de pessoas em lugares isolados, criando seus próprios animais para consumo próprio, não existe problema, na opinião de Rodolfo.

Mas se foi o processo de urbanização que tornou o animal em um fetiche – alienado de seu valor senão o de consumo -, é exatamente esse processo que fornece alternativas. Na nossa região ou adjacências, é possível ser vegetariano ou lacto-vegetariano sem precisar de sacrifícios imensos. É possível tomar o café-da-manhã na recém-inaugurada Padaria 100% Vegan, almoçar em alguns dos Gopala (ou atravessar a Paulista para o Vegacy), tomar um lanche no Sabor Mate, um sorvete de leite de soja na Soroko e terminar a noite na Z Carniceria ou no Espaço Impróprio.

Em essência, o movimento repudia qualquer coisa que atrapalhe o ciclo natural dos animais – como ir ao cinema, pois a película cinematográfica tem componentes animais. É uma filosofia que se realiza principalmente na esfera do mercado, evitando consumir qualquer coisa relacionada a animais, e que divulga informações por meio de livros, revistas, marcas, redes de contato e conferências. Eles também atuam em organizações em defesa dos animais e coletivos.

Tudo isso para comentar a foto acima. Acho que esses stêncils sintetizam um pouco da Augusta – um monte de gente aparentemente diferente, que na verdade fala da mesma coisa. Para mim, o cara pró-libertação animal entende essa militância como uma forma de alcançar uma emancipação muito parecida com a da pessoa que fez o stêncil de resposta. Mas parece que todos estão tão envolvidos em suas próprias prioridades que ignoram o diálogo produtivo que podem travar um com o outro.

Serviço:
Padaria 100% Vegan – Rua Fernando de Albuquerque, 57 (diariamente, das 7h às 22h – exceto feriados) — vegetariano
Gopala Madhava – Rua Antônio Carlos, 413 (almoço: seg. a sex., das 11h30 às 15h; sáb., das 12h às 15h – exceto feriados) — indiano lacto-vegetariano
Gopala Hari - Rua Antônio Carlos, 429 (almoço: seg. a sex., das 11h30 às 15h; sáb., das 12h às 15h / jantar: sex. e sáb., das 19h30 às 22h30) — indiano lacto-vegetariano
Lanchonete e Restaurante Vegacy - Rua Augusta, 2061 (seg. a sáb., das 10h às 22h; dom., das 10h às 16h) — vegetariano
Lanchonete Sabor Mate – Rua Augusta, 1942 (das 8h às 22h) — vegetariano e lacto
Sorveteria Soroko – Rua Augusta, 305 (das 12h às 22h) — tem sorvete de leite de soja
Z Carniceria - Rua Augusta, 934 (ter., qua. e dom., das 19h30 à 1h30; qui. a sáb., das 19h às 3h30) — balada vegetariana
Espaço Impróprio – Rua Dona Antônia de Queiroz, 40 — multi-espaço vegan

segunda-feira, abril 06, 2009

Encontros e Desencontros

Quando Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson), no filme de 2003 Encontros e Desencontros (Lost in Translation, Sofia Coppola), se encontraram em um hotel em Tóquio, cada um carregava um casamento opaco e frustrações com os rumos da vida. A identidade foi instantânea, a crise de meia-idade e as incertezas de uma recém-formada se envolveram no questionamento: o que fiz, o que estou fazendo e o que farei com a minha vida?

No último final de semana, dois aniversários reuniram pessoas que há muito não se viam no Eclético's. Amigos na faixa dos 23 a 27 anos que compartilharam faculdade, projetos e sonhos e agora se distribuem – não necessariamente dispersos – pelo Brasil e o mundo. As perguntas de Bob e Charlotte eram inevitáveis.
Pode ser que tenha sido uma noite de desencontros. Estávamos lá porque tivemos um dia um cotidiano em comum que não vai voltar. Ao mesmo tempo, um certo cotidiano opaco esvaziava conversas para níveis básicos de reconhecimento – “Por onde anda, como está” – e a repetição das respostas mostrava como a vida foi ficando circunscrita a algumas poucas palavras que hesitamos em repetir. Chegamos a agradecer a mídia de massa por dar assuntos em comum.

Pode ter sido, no entanto, também uma noite de grandes encontros. Estávamos lá recuperando um vínculo que não se dissolveu. Ao mesmo tempo, as boas notícias nos davam energia e possibilidades, enriquecendo conversas com planos em comum, identidades inesperadas, superações encantadoras. Quando repetíamos nossas respostas, aos poucos a noção de uma identidade, uma segurança do que já foi construído foi se assentando, nos preparando para os próximos passos. E foi sensacional descobrir que compartilhamos as mesmas impressões por alguns fatos que passam na mídia, gestos e saudações – “Ma man!” – que acabam nos aproximando.

No desemprego ou tendo que escolher entre Paris e Genebra, as crises variavam de origem. Mas as incertezas e o desejo por um rumo eram constantes – e era isso que dava conforto, não estávamos sozinhos, todos em contínua formação. Está muito difícil, não sabemos se vai dar certo, mas continuamos no percurso, todos juntos em suas vidas separadas.

As risadas, sorrisos e abraços em meio à luz melancólica do boteco da metrópole da solidão funcionaram como aquele sussurro de Bob a Charlotte. Cada um está seguindo seu caminho, mas foi tudo que precisávamos para continuar.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Noite de Cabíria



Dia 4 de fevereiro de 2009. Resultado da primeira chamada da Fuvest. Um dia já tenso, que não melhorou quando a UOL divulgou por engano a lista de aprovados do ano passado, criando crises desnecessárias e frustrações duplicadas. Não interessam mais as manobras políticas de Sarney e Temer que definirão o próximo presidente. No dia em que seu nome não está na Fuvest 2009, você não pensa no que vai acontecer em 2010, porque só pensa no ano anterior jogado no lixo.

Quando não encontrei o nome da minha amiga na lista hesitei um pouco, mas acabei mandando uma mensagem pelo MSN: “eu fico quieto, você fala se quiser, nós bebemos.” Combinado. Ela não queria escolher, fomos ao Santa Augusta. Heinekens 600 ml e uma chapa de calabresa com ervas.

Entre incertas batidas eletrônicas e a escolha definitiva por um DVD de clipes da Björk, tivemos um momento em que o telão estava ocupado por cenas do Clube da Luta. Ela não havia visto o filme, recomendei e falei um pouco de sua violência. Ela não gostava muito de violência, não conseguira terminar Laranja Mecânica, Irreversível lhe causava repugnância - raiva, um desejo de vingança. Falamos do sofrimento conformista de Charlie Brown, passamos pela impotência de Macabea, mencionamos traumas cinematográficos e assim fomos falando de sentimentos sem precisar dizer o que realmente estava os provocando.

Logo acima do pôster do Akira Kurosawa, estava o de Os Palhaços, de Fellini. “Sabe o que é realmente triste?” - perguntei. Andando em uma estrada, após ter se dado mal, repetindo o que havia acontecido no filme todo, sem perspectiva e destruída, Cabíria se depara com uma festa popular. Todos felizes, ela acabada, todos vivendo, ela só avançando. E então, ocorre a cena mais sádica, cruel e desesperadora do cinema. Ocorre o sorriso mais triste da história, um sorriso desgraçado e arrasador, um sorriso feliz. Depois de toda a merda, Fellini mostra cruelmente para nós que Cabíria consegue sorrir de novo, consegue ganhar energia para continuar com sua vida de merda. Ele esfrega na nossa cara que, não importa como foi 2008 se há um 2010. O tipo de mensagem que, neste dia, só faz despertar os mais profundos instintos assassinos a respeito desse italiano maldito e seu atroz Noites de Cabíria.

A noite passou, os olhinhos da minha amiga foram ficando vermelhos, sua boca controlando bocejos. Sem sorrisos sádicos, ao menos, conseguiu dormir.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Augusta 472 (472)



Secos e Molhados, Queen, Jota Quest, Led Zeppelin, Kiss, Kid Abelha, O Rappa, Nirvana, Ozzy Osbourne, Linkin Park, Johnny Rivers, Madonna, Lenine, Massacration, Joy Division, Joe Cocker, Raul Seixas, John Lennon, Marisa Monte, Pink Floyd, Los Hermanos, Maria Rita, Legião Urbana, Michael Jackson, Lulu Santos, Echo & the Bunnymen, Enigma, Bob Dylan, Billy Idol, Tears for Fears, The Doors, Smiths, U2, Tim Maia, Glora Gaynor, James Brown, Guns N Roses, Jimmy Hendrix, Iggy Pop, Ira, Janis Joplin, James Blunt, Engenheiros do Hawaii, Cássia Eller, Cazuza, ABBA, The Beatles, Deep Purple, The Rolling Stones, Helloween, Iron Maiden, Jamiroquai, Carpenters, Creedence Clearwater Revival. Ufa, se alguns desses nomes caoticamente apresentados te causam repulsa, certamente outros serão uma boa razão para você ligar a jukebox do bar que está sendo chamado de Augusta 472, simplesmente porque não tem nome.

Além de vasculhar as músicas, existe outro passatempo no Augusta 472, desvendar as relações familiares das pessoas atrás do balcão. Tá, não é um grande desafio, simplesmente sou ruim nisso. O fato é que algumas pessoas da família assumiram a então bombonière em março de 2008 e logo perceberam que o clima estava mais para o álcool do que para o chocolate. Virou bar, que tem música ao vivo às quintas (André toca rock e o que puder com voz e violão) e está procurando alguém para se apresentar às quartas. Tiago, um dos donos, quer alguém com um espírito Woodstock, anos 1970.

Além do repertório musical, o bar oferece outro amplo alcoólico. O Oswaldo (tio do Fábio, que é irmão da esposa do Tiago, todos variando em turnos no local) tem prazer em falar sobre as inúmeras cervejas importadas e sobre os dois barris sob o balcão que NÃO são decorativos, mas repletos de suave cachaça (R$ 4,00). Bebi a cerveja Black Princess Gold (R$ 16,00 a garrafa 600 ml) - mais parece chope, bem encorpada e nem um pouco amarga.
Duas mesas de bilhar por ficha (R$ 1,00) e uma mesa oficial de sinuca (preço por hora a definir), decoração curiosa, TV desligada, luz escura e micro-ondas queimado completam o ambiente.

Serviço:
Augusta 472 - 3159-2896
Garrafa: Itaipava - R$ 3,50; Skol/Brahma - R$ 4,00; Original/Serramalte - R$ 5,00.
Bilhar e sinuca. Jukebox.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Táxi Bar (596)


Uma Nossa Senhora ao canto observava os clientes que não deixavam Paulinho conversar comigo, sempre inquieto de uma ponta do balcão à cozinha, limpando e servindo, sempre simpático. Os fregueses não poderiam ser mais variados, do antigo caminhoneiro que agora trabalha numa boate na Augusta, onde faz "de tudo, menos dar o cu”, a um pequeno menino branquelo que escalou o banco para alcançar o balcão: “Paulinho, me dá um Halls?” perguntou esperançoso. “Não, você só vai levar o que está na lista da sua mãe”, respondeu enquanto anotava na caderneta.

Proprietário com sua esposa da Lanchonete Táxi Bar, Paulinho está no ramo desde que chegou a São Paulo em 18 de janeiro de 1978. Foi garçom, cozinheiro, trabalhou em restaurantes conceituados como Pandoro e Grupo Sergio (a primeira rede de pizzarias por rodízio na São Paulo dos anos 1970), até abrir seus próprios estabelecimentos na Avenida Nove de Julho. Galo Rei, o restaurante gradeado ao lado da Fundação Getúlio Vargas, foi vendido para seu cunhado quando Paulinho assumiu o ponto na Augusta em 1994. O nome Táxi Bar é uma homenagem aos taxistas do ponto da FGV. A luta do paraibano de Arara compensou: seu casal de filhos estudou no São Luís e o mais velho se formou em Administração na FIAP.

O boteco tem uma caixa registradora jurássica, televisão (na Record), pacotes de biscoito de polvilho, mudas de pimentas vermelha e amarela no balcão e não toca música ambiente. Alguns clientes se sentam nas mesas de metal ao fundo para devorar as montanhas em seus pratos do self-service de R$ 6,99. Outros passam apenas para comprar cerveja enquanto enrolam para entrar no StudioSP, exatamente na frente.

“Outro nível,” disse Paulinho. Segundo ele, a Augusta melhorou bastante nos últimos três anos, com o Outs, o Inferno e, mais recentemente, o StudioSP. Antes disso, só iam pessoas “atrás de briga” e estabelecimentos fechavam com freqüência, “pelo aluguel caro e por não acreditarem na área”, disse sob a santa protetora.

Serviço:
Lanchonete Táxi Bar - 3237-3995
Funcionamento: seg. a sáb., das 8h à 1h; dom., das 18h às 24h.
Garrafa: Skol/Brahma/Itaipava - R$ 3,60; Antarctica/Kaiser/Nova Schin - R$ 2,99.
Lata: Skol/Brahma/Antactica/Itaipava - R$ 2,50.