sexta-feira, setembro 26, 2008

Cotidianos I

17.07.2004

Desviando dos pingos de chuva, um bizarro ser, alto, magro, usando roupas listradas (horizontais para engordar), dançava contente pelas vielas escuras e frias. Cumprimentou um sapo de saias que coaxava numa esquina, atravessou a rua entre os carros velozes e entrou no café que tanto gostava.
- Boa noite, grande homem do caixa!
- Boa noite, caro visitante de sempre! Mandarei o chá e os biscoitos já!
- Eficiente como de costume! Muito obrigado.
Senta numa mesa com vistas para a rua e folheia o jornal do dia, sempre esquecido pelo freguês anterior, um já conhecido seu. Seu chá e biscoitos chegam trazidos por uma garçonete baixa e gorducha.
- Pelotinha! Muito obrigado! Diga logo, quando aceitará minha proposta de casamento?
- Ora, caro visitante de sempre, naturalmente que nunca! Você nunca voltaria ao café do meu marido e ele iria à falência!
- Deixe disso! Vocês sempre terão o freguês anterior!
- O freguês anterior! Aquele só vem para esquecer o jornal para você! Nada pede!
- Ah, pelotinha! Ainda acho que formaríamos um lindo ponto de exclamação!
- Deixe disso, seu bobo!
O bizarro ser se recolhe para ver as pessoas na rua. Uma coruja passa voando e pega o sapo de saias. O sinal se fecha. Os carros e as pessoas param. Um silêncio sepulcral domina as ruas da cidade. O ar fresco é o único circulante, sempre contrariando as regras. O sinal abre e todos continuam a fazer o que estavam fazendo.
Bizarro ser lê o jornal interessado. Há uma notícia sobre um evento absolutamente normal acontecendo no centro da cidade: uma pomba pousada sobre uma estátua imóvel. A polícia isolou a área e ninguém mais quis saber disso. Seus longos dedos brancos coçaram o queixo fino. Decidiu investigar, já que não tinha nada a ver com o caso.
- Já vou indo! Quanto devo?
- Ora, o de sempre! Um jornal do dia.
- Aqui está. Guarde as bolachas e o chá, sim?
- Pode deixar! Amanhã, o mesmo pedido.
- Muito agradecido, grande homem do caixa.
- Você tem certeza que quer que guardemos o chá e as bolachas? As bolachas estão cheias de bolor!
- Pelotinha! Ele é o caro visitante de sempre! Se mudar o pedido, o que vai ser dele?
- Não é a toa que tão magro...
Bizarro ser ignora a mesma ladainha de sempre da saída e vai à procura de uma carona para o centro. O ar fresco bate forte e o leva voando com as folhas. O ar fresco sempre é uma boa carona, ele nunca pára nos sinais.

Um comentário:

Anônimo disse...

esse eh um bom cotidiano.

foi de cogumelo?
tava escrito beba-me, né, ancião arthur?